data-filename="retriever" style="width: 100%;">O Brasil é um país desigual e não o é por acidente ou por obra do acaso. Somos desiguais por opção, por propósito, por vontade própria e consciente e, sobretudo, por cultura. Não gostamos da igualdade. No país do "você sabe com quem está falando?", ser igual significa ser comum, ser popular e, no Brasil, nada mais pejorativo do que ser considerado comum e popular.
Nesse contexto de rejeição ao que é popular, ganha relevo a questão do status social como indicador para separar o joio do trigo, para determinar quem integrará o rol dos cidadãos de bem, empreendedores, influentes e bem-sucedidos, e quem ficará relegado ao restolho do povo brasileiro, do povinho, do populacho, representativo de tudo o que não presta no país, desmerecedores de maior crédito e consideração.
Não à toa por aqui fazem sucesso as listas VIP, os camarotes reservados, as portas de acesso exclusivas em repartições que deveriam ser públicas, os elevadores de serviço em prédios residenciais e as escolas "formadoras de líderes". Não à toa nos referimos ao povo brasileiro na terceira pessoa do plural e menos à toa ainda um clube da cidade adotou "Um Clube Seleto" como slogan, como quem diz: "somos a fina flor da sociedade e não nos misturamos com qualquer chinelão".
Todas essas são, sim, manifestações de um povo brasileiro alienado, que tem fetiche por se sentir superior ao próprio povo brasileiro.
No entanto, a desigualdade cultural brasileira não se resume a patéticas manifestações de esnobismo cotidiano. Ela também se revela na maneira como naturalizamos o detrimento de uns para garantir o privilégio de outros. É sintomático que hoje se reclame das cotas dadas aos negros e pardos e se ignore as tantas outras infinitamente superiores dadas aos imigrantes europeus que aqui chegaram.
É sintomático que a violência que há muito existe na periferia só se torne notícia quando chega aos bairros centrais das cidades. É sintomático, também, que um juiz se ache no direito de ganhar na íntegra 40 vezes o que ganha um professor parcelado e, pior, que a sociedade veja isso com uma naturalidade tão grande a ponto de criticar o professor por fazer greve.
Em nome dessa desigualdade, a notícia da morte de nove jovens em um baile funk foi recebida com desdém por muitos que creem firmemente na tese de que só pessoas inferiores frequentam bailes funk. "Se a polícia chegou batendo, foi porque mereceram", ouvi uma pessoa muito próxima dizer. "Em baile funk só tem droga e prostituição", exclamou outro. "Não teriam morrido se estivessem num teatro, ou numa escola", escreveu uma senhora numa rede social.
E, com isso, justifica-se o massacre, a violência e o descaso em regiões distantes da nossa, em relação a pessoas que não somos nós, como se não fossem também brasileiros, como se não fossem também seres humanos.
Enfim, a desigualdade está na essência do povo brasileiro. Nem vou entrar no mérito da desigualdade de renda. Não tenho sequer espaço para isso. Quem sabe fica para uma próxima.